um reservatório de ideias ligadas ao Direito, à História, à Economia, à Sociedade e à Monarquia Portuguesa

29
Fev 12

O leitor incauto perguntar-se-à sobre o que raio é um CRAT. Na busca desesperada para encontrar um termo que defina um movimento conservador, reaccionário, autoritário ou tradicionalista, resolvi por fim baixar os braços, desistir e entregar a um movimento sério e promissor uma temporária sigla pateta - C(onservador) R(eaccionário) A(utoritário) T(radicionalista).

Um movimento conservador baseia-se em 6 premissas:

 

1 - todo o edifício de pensamento conservador assenta na crença num Princípio Criador de todo o Universo, um Mestre Eterno com autoridade suprema sobre as leis materiais da Existência;

2 - a moralidade absoluta. Proveniente da experiência religiosa e social da comunidade, é inquestionavelmente a base da lei pública, e daí a necessidade da existência do Estado, que é o promotor principal do Bem Comum;

3 - o princípio fundamental da acção do Governo é balizado pelo princípio da subsidiaridade, presente na Doutrina Social da Igreja Católica, ou seja, a acção do aparelho burocrático supremo só se deve dar quando os organismos mais pequenos e pessoais (Família, Paróquia, Município, Empresa, Sindicato, Associação, etc.) falharem em providenciar à sociedade uma resposta eficaz que apazigúe a exigência de Paz Pública demandada pelo Bem Comum a toda a sociedade;

4 - o Estado deve preservar e respeitar a originalidade regional dos múltiplos centros de poder tradicionais. Não só se impõe um reforço do princípio da subsidiaridade, como um movimento CRAT propõe toda uma nova perspectiva sobre o problema da soberania e os limites do poder estatal - o poder estatal absoluto criado pela Revolução Francesa e pelo Demo-Liberalismo, reforçados pelos Nacionalismos e pelos Socialismos e agora pelo Mega-Estado Europeu são aqui postos em causa e em cheque. Toda uma nova orgânica presta-se aqui a ser construída;

5 - anti-individualismo. O limite pessoal em prol do bem da comunidade é mais valioso do que o esforço sobre-humano para vencer a todo o custo a competição que a Educação e a Mentalidade Moderna querem implementar nas mentalidades ocidentais. A Massificação e a Uniformidade são características Pós-Modernistas enquanto que a Heterogeneidade e a Unidade são os fundamentos da tradicional riqueza cultural e civilizacional Europeia.

6 - a procura por um equilíbrio sustentável entre a Liberdade pessoal e a liberdade das unidades tradicionais da sociedade. Este equilíbrio deve partir pela atribuição a cada indivíduo do máximo racional de liberdade. Esta Liberdade pauta-se pela felicidade individual e social, e não tem nada a ver com a suposta "liberdade para errar". No Erro não existe Liberdade, pois ele afasta a Dignidade e a Espiritualidade. No entanto, o princípio do máximo de liberdade racional não se prende a uma norma puritana ou a um Estado Totalitário Ultra-Moralista. Tal como afirma São Tomás de Aquino, o ser humano tem como dado inerente à sua existência a Culpa, o Pecado Original, e como tal, apesar de poder ser aperfeiçoado, não terá nunca a possibilidade de se tornar perfeito. Como tal, sendo o pecado parte natural do homem, tem o Estado obrigatoriamente de velar pelo seu bem mas ao mesmo tempo permitir que este possa conviver e aprender com os seus instintos pecadores, uma vez que esta é a sua natureza concedida por Deus. Um Estado que proíba totalmente o pecado é uma negação do Homem e da Redenção.

 

Posta esta exposição, pergunta-se o leitor "Não é pois suficiente a denominação de Conservador para um movimento que pretende ser, antes de tudo, conservador?"

 

Seria, não fosse a própria raiz da palavra inútil à vista da actualidade portuguesa. Já não há nada para conservar em Portugal. A Tradição ou morreu ou vai lutando quase desarmada contra um Estado poderosíssimo e uma Nova (a)Moralidade invencível e destrutiva. Os partidos conservadores portugueses são aqueles que, aceitando os preceitos da Revolução e do Materialismo, apenas pedem que se mantenha algum do status quo antigo, que lhes permita alguma da paz social mínima para manter alguma capacidade produtiva e as diferenças sociais que lhes agradam, não por sentido de dever patriótico mas sim por utilitarismo e vaidade pura. Um Movimento CRAT não é só conservador.

 

Nas Palavras de António Sardinha:

 

«Não somos conservadores - dada a passividade que a palavra ordinariamente traduz. Somos antes renovadores, com a energia e a agressividade de que as renovações se acompanham sempre. O nosso movimento é fundamentalmente um movimento de guerra. Destina-se a conquistar - e nunca a captar. Não nos importa, pois, que na exposição dos pontos de vista que preconizamos se encontrem aspectos que irritem a comodidade inerte dos que em aspirações moram connosco paredes-meias. É este o caso da Nobreza, reputada como um arcaísmo estéril em que só se comprazem vaidades espectaculosas. A culpa foi do Constitucionalismo que reduziu a Nobreza a um puro incidente decorativo, volvendo-a numa fonte de receita pingue para a Fazenda. Foge, cão, que te fazem barão!- chacoteava-se à volta de 1840. Mas para onde, se me fazem visconde?! E nas cadeiras da governança o cache-nez célebre do duque de Avila e Bolama ia esgotando os recursos do Estado em matéria de heráldica.»

 

E é precisamente esta peculiaridade que nos leva ao segundo elemento de um movimento CRAT, em análise no próximo texto: o Tradicionalismo.

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 00:18

24
Nov 09

Há umas semanas apresentei uma pequena pesquisa sobre os direitos que um senhor italiano dizia ter sobre o título de Duque da Casa de Bragança. Perante os factos burlescos da história, foi-me muito fácil provar que, de acordo com o direito vigente, o dr. Romano abusa da sua inocência e insulta a nossa inteligência com o seu caso pelo trono português.

 

Há no entanto uma outra situação legal que alega pôr em perigo os argumentos dos defensores da dinastia brigantina de Dom Duarte. A famosa Casa de Loulé, uma das importantes Grandes Famílias da Península Ibérica, tem ligações muito próximas à linha dinástica. Seria de esperar que esse estatuto de vizinhança familiar, de aproximação à Casa Real, tornasse a Casa dos Duques de Loulé fosse forte apoiante da Dinastia de Bragança. Agora, a mesma Casa vem proclamar os ses direitos à legítima sucessão do trono do Reino de Portugal, alegando terem-se extinguido a linha directa (por morte de D. Manuel II) e ser “ilegal” a linha colateral (os descendentes de D. Miguel I). Os duques, ao contrário do insuflado dr. Romano, usam do direito português para fortalecer o seu argumento. Não o fazem bem porque não o sabem fazer.

 

É louvável o respeito dos duques pela decisão da Pátria reunida em Assembleia, mas surpreende que os mesmos que usam da Carta Constitucional como escudo e causa, a desconheçam de tal maneira. A dinastia reinante, de acordo com esse documento, é a de Bragança. A linha dinástica é definida através da descendência de Dona Maria II. Caso a linha directa de descendentes da Rainha desapareça, será a linha colateral a essa, contando a partir de Dona Maria II. Isso contaria, por exemplo, os descendentes de seu pai, sua tia e seu tio, em último caso. Este último caso aplica-se. Os descendentes do pai de D. Maria II são estrangeiros e pretendentes ao trono do Brasil (Bragança-Orléans). Assim, e como a Lei Fundamental do Reino invoca a necessária nacionalidade portuguesa dos reis e a independência nacional, estão fora da linha sucessória. Restam a tia (D. Ana de Jesus Maria) e o tio (D. Miguel I). Põe-se então que segundo estas leis antigas, o sucessor masculino tem prioridade sobre o feminino. Assim, escolher-se-ia Dom Miguel. Além do mais, os dados históricos provam que Dona Ana Maria teria abdicado dos seus direitos ao casar com o Duque de Loulé. Isto explica-se facilmente.

 

Dona Ana casa-se com o duque de Loulé em clara desobediência do poder paternal, sem ser ouvidos os órgãos do Conselho Régio ou mesmo as Cortes, contrariando assim o costume e as leis da época. Tal vai contra a lei de sucessão portuguesa. Esta abdicação é válida para os seus descendentes também. Dom Miguel renegou a sua abdicação em vida e os trâmites legais do seu banimento são pronunciadamente inconstitucionais, à luz da própria Carta Constitucional. A Lei do Banimento é uma lei ordinária, ou seja, não tem natureza constitucional. A universalidade das leis de sucessão, por isso, mantém. Conclusão: aquilo que escrevi não é novidade, na generalidade, para os mais sabedores do assunto. Posso até ter cometido algumas imprecisões.

 

No entanto, sendo a Internet e a blogosfera um veículo de informação tão utilizado, e havendo, porventura, um crescente interesse de jovens (e graúdos) monárquicos nestas questões importantes, será também o veículo mais importante para refutar todas as teorias que denigrem a causa da monarquia e confundem de forma danosa a sociedade. Haverá sempre mérito na discussão do assunto, mas acima de tudo deve haver mérito em atribuir a quem de direito os seus direitos.

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 13:47

Qualquer tipo de forma de governo adaptada para a preservação da Liberdade nos tempos modernos e por forma a evitar os erros calamitosos que a propagação do republicanismo democrata pelo Mundo têm provocado a esta causa, deve basear-se em 4 premissas:

 

1- a maior quantidade possível de liberdade pessoal (de um ponto de vista razoável e racional) deve ser preservada e protegida, visto que a liberdade é parte e parcela do Bem Comum;

 
2- o sistema partidário deve ser abolido devido à sua tendência e deriva totalitarista;
 

3- a luta ideológico-filosófica, que não pode ser parte constituinte da orgânica da máquina governamental, devido às suas incompatibilidades, tem de ser relegada para o plano privado;

 

4- a vontade da maioria não tem o direito de prevalecer sobre o Razoável e o Útil; a perspectiva utilitária e os valores racionais devem ser subordinados à Ética e à Religião;

 
Com base nas três primeiras premissas, E.v. Kuehnelt-Leddihn propõe que se estabeleça uma "igualdade" constitucional entre um Corpo Representativo Corporativo e Popular e a burocracia Executiva e Administrativa.

Os membros da Câmara (ou Dieta, ou Corte) corporativa são eleitos livremente. A Administração (e por conseguinte o Executivo) consiste em funcionários provenientes de todas as camadas da população, escolhidos com base num processo competitivo de exames e dois ou três anos de estágio onde serão avaliados de acordo com a sua habilidade e conhecimentos.

 

Os Partidos, obviamente, poderão constituir uma base idológica que terá oportunidade de propagandizar as suas ideias e influenciar a política na Câmara Corporativa.

 

O último orgão, que tem um representante na Câmara, é o Supremo Tribunal (ou Tribunal Constitucional) constituído por membros designados pelas universidades (presume-se que pelos departamentos de Direito) e por representantes das religiões (ou Religião), cuja função é examinar a concordância das Leis com a Constituição e a Lei Moral e Ética.

Os dois departamentos do Supremo Tribunal tem um direito absoluto de veto sobre as propostas de Lei da Câmara e dos projectos-Lei do Executivo, sendo que tem direito, pelo seu representante parlamentar, a apresentar moções e propostas.
 

O Chefe de Estado será, preferencialmente, um Monarca, visto este reforçar a ideia de continuidade nos trabalhos do Governo e também se poder constituir como membro "desinteressado" capaz de votar contra o Executivo ou a Câmara, caso estes dois órgãos entrem em clivagem.

 

É evidente que todo este sistema, na opinião de Kuehnelt-Leddihn, tem de se basear em numa Constituição que defina e limita as prerrogativas e poderes do Estado. As liberdades humanas devem ser salvaguardadas em documento escrito, com diligência.

Segundo o autor, após expressas as dificuldades de implantar em países de cultura católica o modelo parlamentar protestante, deve-se aplicar o modelo federativo ao invés do democrático.

Assim, prefere-se o modelo Corporativo porque, quanto mais pequena a unidade, mais fácil e aconselhável é a aplicação da Democracia, evitando-se o aninomato de massas e a irresponsabilidade dos eleitores.

 

A exigência de qualidade nos órgãos Executivos, escolhidos por avaliação das suas capacidades em vez de eleitos, prende-se no princípio Liberal, e não democrático, da preservação das Liberdades e do Estado de Direito. Sabe-se que as massas, por norma, são inimigas da Liberdade. Um Governo elitista, um Executivo arrogante devido à sua escolha por prestígio em vez da eleição, deverão ser defeitos facilmente evitados na governação do país se a Constituição lhes limitar os poderes de forma a os terem em menor parte que os actuais regimes parlamentares.

 
Para Erik von Kuehnelt-Leddihn, o que um Liberal (o autor escreve libertarian) mais deseja é um governo mínimo e estável, justo e eficiente. As actuais democracias providenciam governos oversized instáveis, justos e ineficientes, enquanto que as ditaduras totalitárias do século XX sempre foram modelos de governo máximo, estável, mas injusto e só ligeiramente eficientes.

O nível exigido a um estadista é, hoje, superior, muito superior, ao que alguma vez foi necessário, por exemplo, para a condução e acordo de convenções importantíssimas para a história, como a de Viena em 1815.

No entanto, diplomatas do nível de Metternich, Talleyrand e vom Stein são cada vez mais escassos.
 
A escolha entre o amadorismo democrata e o profissionalismo "federal" é, por fim, exemplificada por Leddihn num último exemplo:

Imagine o leitor que está num barco, navegando os Mares do Sul, a milhas da costa, e repentinamente sofre um forte ataque de apendicite, necessitando urgentemente de uma cirurgia. A bordo está um doutor com o pior dos possíveis aspectos, bêbado de fama, de mãos trementes e óculos embaciados.

Com ele viaja um jovem brlhante, de qualidades deliciosas, filósofo, bom conversante, pintor e pensador, que nos merece a total aprovação e admiração.

 
A quem confiaríamos o bisturi?
 

A resposta a este enigma, além de trazer na resposta, dependente de cada um, a solução entre democracia e o mérito, traz também a resolução da dúvida entre a república e a Monarquia, e a razão pela qual o mais medíocre dos Monarcas, treinado para o seu cargo, terá uma incrível vantagem sobre qualquer admirável amador popular da república.

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 13:42

Sempre que posso estimulo entre os meu amigos e colegas a apreciação da Monarquia.

Entre a aceitação geral que tenho conseguido, pelo menos a constatação por parte dos meus colegas que uma Monarquia não é um bicho de sete cabeças nem uma alternativa ridícula à República, contam-se também os casos em que tenho de combater (metaforicamente falando, claro) com os republicanos e os "monárquicos visigóticos".

 

Os monárquicos visigóticos não são monárquicos. Sâo republicanos que, a aceitar esta ideia de monarquia, só a aceitariam nos moldes electivos da antiga Monarquia Visigótica (com óbvias adaptações).

 
Ora, o modelo da monarquia electiva destrói todas as vantagens que os defensores da Monarquia proclamam.

A questão da legitimidade do Monarca perde-se, mais uma vez, na luta sectária pela eleição do Chefe de Estado, mais fanática ainda por esta eleição só se repetir num futuro incerto, e portanto, por haver mais a perder da parte da facção perdedora.

 

Um Monarca é um símbolo de Compromisso e União, não é um cargo político da República (no sentido de res publica). Assim sendo, não faz sentido esta legitimação popular, baseado em pressupostos materialistas, quando a ideia de Monarquia exige um sentido apurado de Humanismo.

 
A mesma justificação parece-me acertada para negar a legitimidade de um Rei referendado.
Os direitos do Rei não são os mesmos que os Direitos do Presidente, ou outro órgão eleito.
 

Enquanto limitação da Democracia, o Rei não se deve confundir com esta. E a Democracia, para não ser nociva ao Estado de Direito, tem de conter alguns pressupostos fundamentais, sendo que o mais importante seja, a meu ver, a limitação no tempo de cada resultado eleitoral.

 

O António de Almeida, que gentilmente comentou o meu último texto, pergunta-me como "Portugal poderá um dia passar da República à Monarquia?" sem um referendo.

 

Não nego que não se deva fazer um Referendo questionando a população sobre a sua opinião, pelo menos para convencer a classe política que a Questão Monárquica ainda está de pé. E, pelo que vejo, teriam os maçónicos uma bela surpresa quando saíssem os resultados.

 
Mas não é um resultado democrático que legitimará um Soberano.
Como deixei aqui já exposto, é mister que as democracia (principalmente a directa) seja usada somente nos cargos temporários.
 

Históricamente, basta vermos a fragilidade das Monarquias sufragadas para entendermos que este não é o meio mais estável para entronizar um Monarca.

 
Questionar a população seria o início de um processo, talvez.

Mas o mais importante é que a Causa Monárquica cresça espontaneamente, ou seja, com esforços redobrados por parte dos monárquicos para divulgar entre as várias classes profissionais do país, bem como as elites intelectuais e políticas, os nossos ideiais e a falta que faz ao País a Tradição.

 

Nunca se pode esquecer que num processo democrático há um perdedor e um vencedor. De um e de outro pode-se esperar de tudo, inclusivamente que mude de ideias.

 
E a Monarquia tem de ser mais do que um capricho de massas.
publicado por Manuel Pinto de Rezende às 13:38

21
Nov 09

Quando se discute a posição do Estado em relação às comunidades religiosas, costuma-se invocar o principio da laicidade como principio definitivo do Estado de Direito.

 

Fala-se assim em Estado Laico, como o Estado que não avalia os seus cidadãos nem os discrimina em função da sua religião. Este principio, no entanto, pode funcionar em várias vertentes e para várias culturas do Direito e da Liberdade.

 

Estado Laico, no entanto, não é o mesmo que Estado "Laicista", ou de ideologia "laicizante" dos cidadãos. Viola-se a neutralidade do Estado para com as escolhas religiosas dos seus cidadãos quando se proíbe ou se impõe entraves ao culto ou estudo ou profissão de uma religião. O Estado Português produto da Revolução Republicana de 5 de Outubro e da Constituição de 1911, devido à carga ideológica radical dos partidos dominantes e da própria Constituição, era altamente anti-clerical e anti-religioso, violando princípios básicos e liberdades consideradas garantidas e seguras que já vinham de tempos até anteriores às primeiras Constituições Monárquicas. Neste caso não podemos considerar que estivemos na presença de um Estado Laico, visto que estávamos perante uma atitude frente à religião que pode até ser considerada dogmática, o

ateísmo militante

. Contrariando assim o verdadeiro objectivo do ateísmo, partilhar livremente uma vida sem religião e Deus e mesmo assim valiosa e repleta de significado intrínseco, os republicanos do 5 de Outubro, que ainda andam por aí, criaram outra religião,

a religião da opressiva ausência de Deus

, o

Ateísmo Divino

.

 

Como remate deste texto, fica uma pergunta teórica para os leitores: Será que a presença de uma religião oficial inibe a formação de um Estado Laico?

 

Podemos assim considerar que o Estado Português, durante o período de vigência da Constituição de 1826, era um Estado sem liberdade religiosa e cuja cidadania era defendida pelo Estado de acordo com a sua religião? A resposta, obviamente, é não.

 

O Reino da Jordânia, que considera na sua Constituição o carácter oficial do Islão enquanto religião oficial do Estado, é uma terrível ditadura "

ayahtolla"

intolerante? A óbvia resposta é não. É talvez a nação de cultura islâmica mais tolerante, tendo muitos menos problemas com as diferentes comunidades religiosas que a Turquia "laica".

 

A oficialidade de uma religião prende-se ao perfil cultural de um povo, de uma nação, de uma história. Isto deve-se ao simples facto de a Religião, para todos os efeitos, ser ela própria um dado cultural, inserido dentro dessa enorme miscelânea que costumam ser as civilizações.

 

Podemos assim esquecer a típica definição de Estado Laico como estado não-oficial. As hipóteses de um cidadão ser reprimido pelas suas escolhas religiosas num Estado Laico de inspiração Ocidental são tantas como num Estado Islâmico, o que muda é o contexto histórico em que se está inserido. No tempo em que as repúblicas jacobinas francesas e portuguesas privavam os homens livres do seu culto original, essas mesmas nações e povos islâmicos, entre eles a Turquia, davam boas provas de civilidade à Europa.

 

A Liberdade Religiosa e o Estado Laico medem-se assim, só e puramente, pelo grau de intervenção do Estado nas Igrejas e Cultos e o grau de afectação que toma em relação a estes.


 

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 01:32

 



If You Want to Free Your Coutry, First Liberate Its Land - Fareed Zakaria


República Democrática de Timor, República do Iraque, República Islâmica do Afeganistão. Três nações que passaram por processos de libertação ou remodelação constitucional e de regime. Podemos até situar os três no mesmo século (Timor em 1999) pelos aspectos que podem unir os processos que cada um se deparou.


A regra da actualidade, no que toca à libertação de países, é fazer eleições. Após se destronar a potência invasora e o tirano de serviço, acha-se por bem, principalmente entre a ideologia situada à direita (que é curiosamente a mais apta às intervenções militares), desempoeirar as urnas e organizar campanhas. É de facto um caminho simples para obter a democracia. O que se passa é que também é o caminho mais fácil e é o menos importante num processo de democratização.

Todo o esforço contido na democratização do Iraque e do Afeganistão será em vão se não se concentrarem esforços na construção daquilo que é o verdadeiro garante da democracia: a sociedade civil e o estado de direito. As culturas ocidentais passaram por séculos de modernização antes de conseguirem organizar eleições livres. Da Magna Carta, documento ancestral que primeiro estabelece os limites do poder governamental, ao sufrágio universal adulto no mundo ocidental e democrático passam mais de 800 anos de distância. Nesses oitocentos anos, as sociedades europeias ou europeizadas passaram por várias tranformações que moldaram as suas instituições republicanas e democratizaram a sociedade.

Este processo lento tem a singular benesse de consolidar o estado de direito e combater os maiores inimigos da democracia no âmbito interno: a divisão étnica, a insistente discriminação racial e religiosa, e o feudalismo.


Todos estes factores foram esquecidos por George Bush na invasão do Iraque. Enquanto no Afeganistão encontrou uma população racial e religiosamente semelhante (islâmicos xiitas na maioria, comum background genético persa) e apenas se teve de haver com as dissidências próprias das sociedades divididas em tribos (algo que não deu tanto problema como seria de esperar, visto ter-se mostrado fácil unir as tribos contra o inimigo comum, os talibans) no Iraque a administração Bush viu-se na responsabilidade de apaziguar um cozido étnico e religioso. Primeiro, não lidou com a confrontação Sunita-Xiita, nem sequer manobrou com as restantes comunidades que se podiam ter mostrado colaboradoras após anos de opressão Hussein: Sunitas Curdos, Ismaelitas, Cristãos Arménios, Ortodoxos, Nestorianos, Judeus não-Ortodoxos,etc.

Também não criou as bases para a paz racial, visto que tanto sunitas como xiitas, mal se compreendam no futuro, vão fazer aquilo que sempre fizeram em harmonia: desprezar os curdos.


O outro mal, que virá disfarçado e de difícil distinção, é o problema da propriedade. Não se sabe muito bem como funciona o regime de propriedade no Iraque, nem quem é o maior proprietário, se os oligarcas do anterior regime ou o Estado (ou seja, os oligarcas do novo regime).


Enquanto permanecer nas mãos da elite governativa o principail meio de produção, a Terra, a população iraquiana não poderá usufruir de verdadeira democracia. O eleitorado será influenciado por esses mesmos detentores do grande capital, que acicatarão os confrontos entre as populações no seguimento do harmonioso lema do "dividir para governar".


Faz falta assim uma maior supervisão da comunidade internacional para uma redistribuição controlada dos recursos, de preferência para os trabalhadores das terras. É preciso aquilo que os anglo-saxónicos chama de land reform, que nós podemos traduzir como a Reforma da Fazenda Nacional, que consiste numa nacionalização de bens seguida de venda de Bens Nacionais.


Muitos caem no erro de considerar estas medidas como medidas de perfil socialista, na medida em que se preconiza a redistribuição de terras e riqueza natural. Nada mais errado.


Muitos exemplos de land reform podem ser encontrados ao longo da história, mesmo entre nós, não com fins socialistas mas de introduzir no mercado enormes propriedades cujo valor e produção estavam alienados, sufocando o comércio e a agricultura. Foi o que se passou em 1834, num decreto assinado pelo Rei Dom Pedro IV e pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, que nacionalizava todos os bens detidos pelas ordens monásticas (cuja propriedade ocupava uma grande parcela do território nacional). Esses bens foram mais tarde levados a leilão público, e infelizmente a corrupção que precedeu os primeiros tempos da Monarquia Constitucional não conseguiu evitar o voracionismo das grandes figuras do regime, como radical democrata Saldanha, que enriqueceu desmesuradamente. Este voracionismo da elite política está a ser, em certa medida, prevenido em Timor Lorosae, ainda que com algumas deficiências óbvias no processo.


Também nos EUA a estas medidas, em especial o Homestead Act de 1862, contribuiram para uma maior repartição de terras e um aumento de proprietários (este Act em especial cedeu 10% da terra dos EUA). Esta "democracia dos proprietários", nas palavras de John Rawls, liga o fundamental fenómeno da liberdade em democracia com a terra privatísticamente possuída, dois factores indissociáveis.


Assim, deve-se procurar a reforma da Terra para arrancar a economia rural do feudalismo medieval, mas não para criar o controle efectivo do estado sobre o mercado (no método de acção socialista) mas para criar a prosperidade e desenvolvimento de que só a expansão dos mercados livres são capazes. A evolução de uma economia feudal para uma sociedade onde se dá a ausência de propriedade privada "impede qualquer tipo de fixação racional de preço ou estimativa de custos", como diria Ludwig von Mises.


As formas de controlar e impedir esta economia feudal ou de senhorio ou de Estado, passam pelas seguintes medidas:



  1. não dar ouvidos à Direita, e não se ficar pela realização de eleições;


  2. não dar ouvidos à Esquerda, e parar de dar indiscriminadamente meios e ajudas humanitárias, a intenção é muito boa, mas apenas ajuda os novos senhores feudais;


  3. apressar a transferência de responsabilidade para os trabalhadores/proprietários e cidadãos, conceder na íntegra o direito de propriedade para os terratenentes e produtores.

No melhor interesse da propagação da democracia, não se podem esquecer as democracias liberais que, hoje mais do que nunca, a luta pela liberdade é, também, uma luta por terra livre.


nota: a inspiração para este artigo veio de outro, de nome semelhante, retirado da revista Newsweek, que pode ser visto na íntegra aqui.
publicado por Manuel Pinto de Rezende às 01:21

 

A acusação mais comum a que são submetidos os liberais é a do egoísmo que estes revelam ao negar a intervenção caridosa do Estado e da sua Mão Visível sobre os sectores mais importantes da economia, sob a pretensão de que um poder político democraticamente eleito e constitucionalmente controlado é mais justo do que um indivíduo agindo de acordo com a sua liberdade e iniciativa privada segundo as leis económicas e sociais "invisíveis".

 

Este raciocínio leva-nos a crer que os ditos defensores do Mercado Livre são indivíduos que demonstram um desprezo enojado ao passar pelos vários mendigos que proliferam pelas ruas deste país, sacando dos seus petizes lenços de seda branca numa delicada e vã tentativa de afastar o cheiro a pobre tristeza que sai das carcaças vivas e imundas dos cidadãos desfavorecidos.

 

A ideia que se tem do liberal é a de que este é um bicho de biblioteca, imerso nos seus problemas de economia macroeconómica e microeconómica, ou vasculhando um qualquer manual de Direito das escolas Iluminadas da Razão, procurando provar que o ser humano tem apenas o direito à felicidade de viver sem a intromissão dos outros nos seus afazeres e mercados.

 

A ideia do não-intervencionismo não é um dogma de Escola, ou uma prerrogativa de egocentrismo por parte de algumas pessoas socialmente favorecidas.

 

O guia espiritual do liberal, se é que há na política algo semelhante a espírito, deverá ser sempre a confiança nos indivíduos para chegarem à conclusão, de forma voluntarista e pessoal/subjectiva, de que o bem de todos é, em caso de necessidade comum, a melhor via de acção. O Bem de Todos, que eu atrevo-me aqui a classificar como uma situação pré-Estado, difere do Bem Comum alardeado pelas classes socialistas portuguesas em vários parâmetros: é genuína, nasce da sociedade e em função da sociedade, e não de um gabinete e em função de uma estatística ou uma campanha eleitoral. A Sociedade Liberal é Capitalista, e isso quer dizer que vê no trabalho e na capacidade do Homem o seu espaço pessoal e decisório, e na sua propriedade o fruto justo das suas capacidades e trabalho. Estes factores, liberdade e propriedade justa, são os bens mais valiosos que os Antigos Gregos e Romanos, bem como toda a cultura Ocidental, nos legaram. A capacidade de responder individualmente em prole da comunidade faz-se somente com indivíduos bem preparados e autónomos no seio da sua comunidade. Assim, ao invés de ter uma democracia de subsidiados e funcionários públicos, que é o maior objectivo dos governos portugueses nos últimos 100 anos, a democracia liberal é uma democracia de proprietários, nas palavras de John Rawls.

 

Ser Liberal não é um impeditivo à Religião, muito menos uma Religião em si.Apesar de Liberal, sou também Cristão. Não sigo a Política Social da Igreja, porque vejo o avanço da Igreja Católica no plano político como um mal desnecessário e evitável. Acima de tudo, acredito que devemos dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus, e que Religião é algo que cada um deve viver no seu íntimo e na sua interpretação, não sendo dever da Igreja ditar aos crentes aquilo que devem pensar e a forma como devem pagar os impostos.

 

A Democracia-Cristã é, além de totalmente anti-Cristã, uma desculpa de socialismo padreco, ou beato

 

O Liberal, movido pela negatividade em relação ao Estado, é no entanto desprovido de pessimismo em relação ao Homem. Mais do que qualquer outra Ideia Política, mais do que as Ideologias Políticas e autoritárias, o Liberal acredita na capacidade do homem de se entender no seguimento dos seus interesses diversos, e de chegar a acordo, nos termos da Lei e da Defesa das Liberdades, sobre os seus interesses conflituantes ou compactuantes.

 

O que realmente o separa das restantes ideologias é a sua desconfiança para com a Caridade Política. Apesar de todo o Valor reconhecido à ONU, à UE, e à NAFTA, o apologista do Livre Mercado defende que o maior factor de união e paz e prosperidade harmoniosa entre as nações é a troca livre e o comércio. Todos os sufocos a essas trocas devem ser vistas, devido ao inegável tráfico de interesses políticos, como a única forma de comércio absolutamente negativa para toda a Comunidade Humana.

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 01:17

No contexto histórico, o colectivismo é recentíssimo. A tentativa de engenhar um Estado Perfeito, baseado na partilha institucionalizada e na distribuição dos rendimentos do Trabalho Colectivo pode ser baseado nos microcosmos dos antigos mosteiros cristãos ou das congregações religiosas asiáticas, na obra de Platão até, mas o ponto de vista para a Colectivização parte de um pressuposto técnico-científico inventado nos séculos XIX por intelectuais de inspiração positivista.
O Comunismo e o Socialismo, enquanto recriações sociais de uma realidade específica, não são mais do que produtos de laboratório, com uma base já “a priori” afastada da realidade e das necessidades dos indivíduos. Talvez por isso, por não passarem de raciocínios imaginativos complicados, tenham tanto sucesso entre as elites intelectuais do nosso país.
O pressuposto base para estas teorias é o Colectivismo, o mesmo que inspirou Platão, Marx e Engels.
O Colectivismo é redutor em relação ao Fim da acção do Homem. Para os colectivistas, é a colectividade e o Bem Comum o Fim último da existência humana. É depreendida de início (a priori, mais uma vez, o Colectivismo é basicamente primário em todas as suas premissas) a colaboração laboral do Homem para o Estado. É próprio do raciocínio colectivista a repugna por pessoas colectivas cujo fim não seja o bem comum, e antes a prossecução de actividades ditas “egoístas”. E não lhes deve ser criticada tal assumpção. De facto, a partir do momento em que se encara a sociedade como um elemento orgânico dotado de personalidade e interesses próprios, quando se personifica o Colectivo com o objectivo de o dotar de uma vontade homogénea, é natural negar a individualidade e a iniciativa singular.
Não obstante, sintomas de Colectivismo também são palpáveis nas democracias liberais ocidentais, reflexos destas teorias totalitárias. Os métodos usados pelo colectivismo apelam aos sentidos básicos da racionalidade humana, direi até da irracionalidade humana, centrando-se nos instintos vulgares do Homem, os mais atractivos para aqueles cujo espírito é menos cultivado.
Usa o Colectivismo o apelo a instintos como o sexual ou o divinatório. Frisa-se o total apoio à destruição de normas morais da sociedade e preconiza-se a satisfação rápida dos sentidos. Estas normas, alvos tão fáceis, cedem de forma absurdamente fácil perante exigências de indivíduos que, alegando o respeito por escolhas individuais, ajudam os colectivistas da dinamitação das suas liberdades e da sua capacidade de resposta. Este apelo ao instinto sexual prende-se a um sentido freudiano, não à liberdade sexual, que é algo positivo, claro. No entanto, é parte da política hábil dos partidos de extrema-esquerda relativizar o sexo, e diminuir ao primitivismo animalesco o papel do Homem e da Mulher na relação sexual. Este mal, no entanto, é causado pelo esforço da colectividade tanto nos países individualistas como nos colectivistas, por razões diferentes.
Cria também o colectivismo forças divinas, “queridos líderes” e dota-os de centros de poder centralizados que tornam a actuação dos governantes um factor decisivo para a estabilidade dos cidadãos. O martírio de antigos revolucionários é também uma arma inteligente dos colectivistas, criando nas massas uma confusão de emoção e simpatia que contrariam as situações históricas nas quais esses líderes martirizados se encontraram nos seus tempos (caso de Símon Bolívar e Che Guevara).
A transmissão de propaganda também é comum nestes sistemas. A falsa ideia da razão da maioria, tão cara aos socialistas, não passa de uma engenhosa artimanha que deita por terra a acção dos liberais do século XVIII e XIX na criação de “um trono rodeado de instituições republicanas”. A separação de poderes, tão cara ao Estado de Direito, bem como o esforço dos antigos constitucionalistas em criar um sistema de pesos e freios eficaz, foi abandonada nas Constituições Sociais do século XX, especialmente na Constituição da IIIº República Portuguesa, de 1976. Podemos, numa generalização algo perigosa, ligar todos os males passados neste século passado à ideia transmitida pelos colectivistas de que é a vontade comum que governa.
Estabelece também o colectivismo a unidade do indivíduo como lema principal. Falham totalmente neste ponto os socialistas, comunistas, e outros que tais. A Unidade centra-se na integração na totalidade da existência, usando como ponto de partida e mantendo como característica principal a ontologia de cada Homem, a sua profunda individualidade. O que o colectivismo consegue é a Uniformidade, ou seja, centra-se na supressão das características individuais.
Os meios do colectivismo para prosseguir estes fins são a destruição do sistema, pelo menos na medida em que o pode reconstruir à sua imagem e figura. Para isso usa a inveja social, o confronto egoístico entre classes e fomenta o ódio corporativista, tornando a nação não na manta de retalhos individuais preconizada pelos liberais, mas na manta de retalhos colectivos que se guerreiam entre si e partilham sentimentos de ódio, com a particularidade de terem os meios e a força tribal capaz de provocar graves revezes na estabilidade frágil em que se encontram todas as sociedades baseadas no indivíduo, enquanto ser necessitado de liberdade para a prossecução da felicidade, e na acção desses mesmos indivíduos, enquanto manifestação consciente do comportamento do Homem.

 
 
"O que sempre fez do Estado um verdadeiro Inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um paraíso."
F. Hoelderlin
publicado por Manuel Pinto de Rezende às 00:58

23
Set 09

A milhor das vertudes porque o mundo se sostem, rege-se hy aquello por que cada huu á o seu, e porque a cada huu he guardada sa onra, he mantehudo no seu estado, e esta vertude he a justiça.

 

LIV. DAS LEIS E POST.

Lei de D.Afonso IV

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 10:11

22
Set 09

Também é perguntado se devemos acreditar que algumas raças monstruosas de homens, descritas na história secular, descendem dos filhos de Noé, ou antes, devo dizer, daquele homem de quem eles próprios descendem (Adão). Porque é descrito que uns têm um olho no meio da testa; outros, os pés virados para trás dos tornozelos; alguns, um sexo duplo, o seio direito como um homem, o esquerdo como uma mulher e que alternadamente inseminam e dão à luz; outros só têm um cúbito de altura, e por isso os Gregos chamam-lhes "Pigmeus"; dizem que em alguns lugares as mulheres concebem quando têm cinco anos e não vivem mais do que oito. Assim, também, falam-nos de uma raça com dois pés mas apenas uma perna, e são de maravilhosa velocidade, embora não dobrem os joelhos: são chamados os Cequiopodes, porque no tempo quente deitam-se no chãoe fazem sobre si próprios sombra com os seus pés. De outros, diz-se que não têm cabeça, e os olhos nos ombros (...)

Que direi dos Cinocéfalos, cuja cabeça de cão e forma de ladrar proclama como bestas em vez de homens? Mas não somos obrigados a acreditar em tudo o que ouvimos sobre estas monstruosidades. Mas quem quer que seja que em qualquer lugar nasce homem, isto é, um animal racional mortal, independentemente da aparência pouco usual que possa apresentar em cor, movimento, som, e de que peculiar seja alguma parte, poder, ou qualidade da sua natureza, nenhum cristão pode duvidar que vem desse único protoplasto.

 

 

Santo Agostinho, A Cidade de Deus, como foi citado no livro "Assim na Terra como no Céu", de Clara Pinto Correia e José Pedro Sousa Dias

publicado por Manuel Pinto de Rezende às 20:21

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